domingo, 7 de setembro de 2008

Um por todos e todos por um


Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan proferiram o lema que eternizou o clássico de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros. Na história, o jovem D’Artagnan, vindo do interior, conhece os três inseparáveis guerreiros e passa a acompanhá-los em épicas aventuras em nome da coroa francesa. Nas batalhas, um era responsável pela segurança dos outros, e intervinha em seu favor sempre que podia. Deste modo, tornavam-se invencíveis, já que a vida de um era sempre em prol dos companheiros.

Na democracia a lógica não é exatamente essa, ou pelo menos não deveria ser. A ação integrada dos três poderes se dá de modo independente, por mais contraditório que isto pareça. Vale repetir o tradicional discurso em que o Legislativo faz as leis, o Executivo às executa e o Judiciário fiscaliza seu cumprimento. O pleno trabalho dos três pilares do Estado permite que a vida democrática se sustente. A disfunção de um pode contaminar os outros e tornar ineficiente o complexo sistema idealizado por Montesquieu.

Na Democracia Brasileira, disfunção já é um eufemismo. O país que após a independência passou por um império e duas ditaduras, hoje se perde diante de um sistema que constantemente manda a Constituição para o espaço. Terra de emendas mil, o Brasil está soterrado por medidas provisórias, leis que não pegam e CPIs que não andam. A ineficiência das instituições públicas pode ser reflexo da corrupção, mas também se deve a uma incompetência quase generalizada mesmo que, às vezes, bem intencionada. Salvam-se exceções que lutam para que a máquina democrática se movimente com muito custo, seja ele representado por suor ou dólares.

A confusão, que termina em grampos e escândalos políticos, começa no desrespeito a termos fundamentais: legislar, executar e julgar. O primeiro, que deveria ser tarefa do Legislativo, tem sido largamente praticado pelo Executivo há anos, e mais recentemente também entrou na pauta do Judiciário. Seja pela lentidão das votações ou pela rixa de interesses que nem sempre são os de um Estado eficiente, os parlamentares estão no centro da crise. Para se defender, acusam o Palácio do Planalto, que governa por medidas provisórias e limita a atuação dos congressistas.

A disputa pela maioria no legislativo vai parar na sede das estatais e ministérios. Sendo assim, as poucas votações normalmente obedecem a acordos e nomeações que hora favorecem a uns e a outros, conforme for a necessidade. As CPIs, palcos de malabarismos e performances midiáticas, acabam por ser plataforma para políticos que visam a cargos no executivo municipal e estadual.
Em âmbitos menores, o Executivo também julga. Como? Guardiões da lei de todas as partes da Federação não deixam que muitos de seus suspeitos cheguem ao tribunal. Infratores e inocentes são julgados diariamente pelos juízes ilegítimos. O Judiciário, na crise de atribuições, também legisla e formula políticas.

Esta semana, a estranha denúncia da Veja marca mais um capítulo da invasão no quintal alheio. O Senador do Democratas e o Ministro do Supremo, pegos em flagrante durante uma conversa amigável e cívica, ilustram mais um desrespeito constitucional, cometido por órgãos públicos, o desdém pelos direitos individuais.

No panorama descabido, o “Quarto Poder” também tomou “liberdades”. Acusar, julgar e punir já é uma realidade multimídia, alimentada pelo vazamento infindável de informações sigilosas e denúncias anônimas movidas por interesses nebulosos. A própria conversa entre Demóstenes Torres e Gilmar Mendes, teria chegado à Veja já transcrita, de acordo com artigo de Alberto Dimes, no Observatório da Imprensa. Vale refletir se os escândalos pirotécnicos do jornalismo brasileiro estão simplesmente interessados em aumentar a tiragem, ou querem algo mais.

Uma perigosa conseqüência da prevaricação estatal é o fortalecimento do poder paralelo. Inspirados nos desvarios institucionais, os criminosos já cobram serviços postais, fornecem serviços básicos como água, luz e gás e possuem seus próprios tribunais. O problema se agrava quando o poder que era marginal se infiltra nas estruturas estatais até mesmo via eleições. Não se trata de uma exclusividade de milicianos cariocas ou de coronéis nordestinos, grandes cúpulas corporativas também exercem sua fatia de influência.

Diante do quadro quase carnavalesco em que se encontra a soberania popular, conquistada com tanto custo e hoje transformada em triste podridão, só nos resta a parte mais importante: a mobilização e consciência para nesta eleição buscar uma alternativa ao caos que se apresenta. Uma nova mentalidade é necessária para que o dia de hoje de fato tenha valor. A propósito, bom sete de setembro, se é que feriado no domingo pode ser bom...