quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Já Voto!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Irão?

Os oito anos do governo Lula podem ter sido sacudidos por hecatombes de corrupção em solo nacional, mas, no exterior, nunca se falou tanto em Brasil - e nunca se viu o Brasil falar tanto. O carisma de nosso presidente, talvez sua qualidade mais unânime, somado à preocupação social que sempre esteve na prioridade de sua pauta de discursos, garantiu o reconhecimento internacional, a interesseira simpatia de Obama e até o irônico prêmio de estadista global no Fórum de Davos. Trigésimo terceiro colocado na lista dos homens mais influente do mundo, da revista Forbes, Lula tem agora a chance de literalmente detonar seu prestígio com pompa e circunstância.

Na busca de uma questionável afirmação de soberania, os diplomatas brasileiros decidiram não pressionar o Irã a abandonar os planos de enriquecer urânio em taxas maiores que as consideradas seguras. Vale lembrar que o ponderado líder Ahmadinejad, reeleito com o malefício da dúvida, prometeu varrer Israel do mapa e organizou um evento internacional em Teerã para "desmentir" o holocausto. O Estado judeu, por sua vez, jurou ir às últimas consequências para impedir que o vizinho tenha o temido arsenal. Que o mundo jamais saiba o que Israel considera "últimas consequências", já que, devido ao sequestro de menos que uma dezena de militares, o Líbano foi retaliado com mísseis ainda mais numerosos que os do Hezbollah. Permitir que o desentendimento inclua armas nucleares é reeditar a queda de braços religiosa - e nada santa - entre Índia e Paquistão, com doses a mais de radicalismo.

É claro que o argumento primeiro que se invoca nesta questão é: se os americanos e meia dúzia de potências podem ter armas nucleares, por que o Irã não pode? Imagine que todos os países possam investir livremente em ogivas. Imagine Chavez e Uribe, gregos e macedônios, chilenos e peruanos, norte-coreanos e sul-coreanos, todos demonstrando força com testes nucleares. A diplomacia mundial se tornaria insustentável. Por mais utópico que seja, o caminho do questionamento deve ser o oposto. Se o Irã não pode, por que os americanos e meia dúzia de potências podem ter estas bombas? Eles é que não podem e devem avançar com o tratado de desativação do arsenal nuclear, assinado por americanos e soviéticos nas últimas da guerra fria.

Ainda que eu duvide muito que alguma ogiva será usada num futuro próximo até a longo prazo, sei que países como a Rússia dependem das armas para manterem sua "importância diplomática". Por alguma razão de masculinidade, americanos e russos, indianos e paquistaneses, britânicos e franceses, precisam provar sua capacidade de destruir o mundo múltiplas vezes.



Mesmo que o Brasil aposte na boa fé de Teerã e na irresistível persuasão de Lula, empenhar sua imagem nesta questão é ainda mais arriscado que segurar Cesare Battisti no país. Nem a Rússia bateu o pé contra desta vez e a China tem feito vista grossa para o caso. A única "potência" que considera apoiar o Irã é o Brasil, e ao nosso lado estão os mais queridos líderes internacionais. Vale à pena relacionar nossa imagem de país socialmente comprometido a este posicionamento?

UE e EUA aguardam e observam cautelosamente nossos próximos passos. Ao invés de avaliar apenas se estamos ao lado do opressor ou do oprimido, se estamos à direita ou à esquerda e se queremos contradizer ou concordar, acredito que devemos pensar no que é mais promissor para o nosso país. Antes de desejar ser o defensor das vítimas de Tio Sam, devemos reparar em nosso próprio quintal os estragos de tantos anos de atrasos e frustrações em nossa vida política. É válido assumir este risco em um momento em que estamos definindo que tipo de força diplomática seremos? As escolhas que fizermos nesta década estigmatizarão nossa imagem internacional por muitas outras. Irão os demais países democráticos entender as controversas opções que temos tomado? Certamente, mas a pergunta é: como?

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vivo, logo existo

Artigo III.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Para grande parte da população carioca, este artigo é um absurdo. Cheguei a esta óbvia conclusão ao reparar a reação das pessoas diante da possibilidade de um dos condenados pela morte do menino João Hélio ser protegido pela justiça por ter recebido ameaças de morte.

"O que indigna a população é o fato de um criminoso ser protegido pelo Estado", disse uma certa âncora de TV.

Ezequiel, hoje, com 21 anos precisa da proteção por ter sofrido ameaças de morte. Constitucionalmente, o Estado tem o dever de zelar pela vida de todos. Por mais discutíveis que sejam as penas judiciais que ele sofreu, a questão agora não é seu acerto de contas com a sociedade. Ele já foi condenado, cumpriu o que cabe a um menor de idade e certamente foi até alvo de tratamento indigno neste período, a julgar pela cena de sua prisão, quando um policial o engravatava enquanto ele era levado algemado diante das câmeras, mesmo sem a menor perspectiva de reação. E aliás:

Artigo V.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Não é possível afirmar que o centro de reeducação de menores o tenha torturado, mas as condições sub-humanas recorrentemente denunciadas pela imprensa são o suficiente para quebrar o quinto artigo. E você, que está pensando em formas de fazer este rapaz pagar pelo que fez, grave bem essa parte: "ninguem será submetido à tortura ou catigo cruel".

A questão a ser tratada agora é a segurança deste ser humano, vítima das ameaças do clamor público e de outras talvez mais obscuras. Apesar de vivermos uma insanidade coletiva nestes tempos de violência, caberá sempre aos revoltados sãos a manutenção dos valores e o impedimento de concessões perigosas. O direito à vida não pode ser posto de lado para o bem da própria Democracia, pois, se o Estado um dia puder tira-la de nós de forma constitucional e legítima, é sinal que já pertence a ele de certa modo. Que se multiplique apenas a justiça e não o sofrimento.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Deveres Humanos

Há 62 anos, estabeleceu-se que o fato de existirmos, de respirarmos e de sermos pertencentes à mesma espécie seria suficiente para tornar universais as garantias de dignidade, liberdade e respeito. Independem de nossos atos, de nossa nacionalidade, de nossa etnia e de nossa condição social esses direitos. Qualquer ser humano, nascido em qualquer ponto da Terra, tem o resguardo e o dever de resguardar o próximo, conforme proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela, TODOS, e nada menos que TODOS, estão inalienavelmente incluídos.

Apesar do enorme passo para a civilidade que representa, a DUDH é, com a mais absoluta certeza, desrespeitada em seus 30 artigos cotidianamente. Sua importância é hostilizada com regularidade, e suas determinações são relativizadas com argumentos antropológicos, que ironicamente muitas vezes acobertam o desumano (sim, estou sendo etnocêntrico). Como radical defensor desta idealista sexagenária, me prestarei, a partir de hoje, a apontar como cada um de seus artigos é vergonhosamente ignorado por este mundo hipocritamente pautado pela liberdade.

Artigo I.Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

O IDH de Serra Leoa não chega à metade do norueguês. Enquanto a Sasha escreve “sena” porque foi alfabetizada em inglês, milhares de alunos do ensino médio cometem o mesmo erro por não terem sido alfabetizados em português mesmo. Apesar de sermos todos humanos, odiamos criminosos, mendigos, arruaceiros, terroristas, americanos, russos, judeus, árabes, homossexuais, reacionários, comunistas, flamenguistas e qualquer um que ofereça “motivos”. Como somos fraternos se vivemos num mundo focado na competição e no individualismo, se somos mais valorizados por nossa capacidade de derrotar que pela de cooperar? Como somos iguais e livres se cada direito, conforto, conquista e realização só podem ser obtidos de acordo com a capacidade financeira no mundo material? Consumimos ou somos consumidos?

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Atena X Einstein

Vagando erroneamente pela internet neste domingo de manhã, me deparei com um site provocativo. “Teste de QI do Einstein”, anunciava. Pois bem, como eu já ouvira falar e mais uma vez li, o exame é impossível para 98% da população mundial. (!!) Isso mesmo, 98%. Enquanto tentava descobrir de que nacionalidade era o homem que morava em cada uma das cinco casas, quais eram suas bebidas e animais de estimação, me bateu uma dúvida: O J.J. Abrams passaria neste teste?

Para quem não sabe, J.J. é roteirista de Lost, simplesmente o roteiro mais trabalhado que já assisti. Logo, pode-se concluir: ele é um gênio. Mas, Einstein, que também é inegavelmente um gênio, restringiu seu grupo de olimpianos a apenas 2% da população mundial. E esta ínfima parcela de 140 milhões de pessoas – uma Rússia inteira de crânios – seria definida por quem acerta a casa, a nacionalidade, o animal, a bebida e o cigarro dos cinco homens citados no teste (se é que o teste que eu achei é o real).

Citando uma pessoa menos questionável: e se Dostoiévski não acertar? E se Van Gogh, Camões, Graham Bell, Gandhi e Platão errassem uma das casas? E se Mozart não adivinhasse que animal pertencia ao norueguês e Darwin se enganasse quanto à marca do cigarro?

Já há teorias que diferenciam as genialidades de Machado de Assis e Isaac Newton. Isso não é novidade. Mas, afinal, o que é ser inteligente?

Bom, um amigo meu só tirava notas boas na escola. Tinha boas idéias para os trabalhos e facilidade de aprendizado. Seus amigos, ao descrevê-lo, sempre recorriam ao adjetivo inteligente, e nada mais que isso. Este meu amigo passou no vestibular em uma bela colocação e manteve o desempenho da escola no ensino superior, quando passou a ser descrito por suas notas. Um dia, questionou: o que há de genial em gastar a vida no cultivo de números? O que há de genial em saber nomes, gravar datas, articular palavras e tratar de assuntos que em nada tocam nem modificam a realidade em que se vive? Que números e nomes são estes que definem quem eu sou? Felizmente, este meu amigo descobriu que seu conceito de inteligência era uma futilidade tão desnecessária quanto a dos que medem os centímetros de seus bíceps em frente ao espelho e tão burra quanto a de quem tem em seu contracheque o seu maior orgulho.

Inteligência, para este meu amigo e para mim, não é raciocínio lógico. Não se mede pelo volume de conhecimento acumulado, nem pela criatividade de ver além do óbvio. Penso que a inteligência é uma sensibilidade, uma percepção, uma capacidade de interpretar o mundo de forma crítica, de se descolar da vaidade e dos desejos. Inteligência para mim é sabedoria, e não QI, cultura ou portfólio.

Tenho uma visão bem grega do que é a sabedoria. Atena, deusa desta qualidade, muitas vezes é descrita como a divindade da justiça, e isso não é um equívoco. Para os gregos, as duas virtudes são sinônimas. Ainda que se possa questionar a justiça helênica, o conceito se adéqua às minhas necessidades. Mais inteligente, para mim, é o que busca ser justo e sábio, é o que tem a sensibilidade de não se levar pelos sentimentos menores e o que usa o cérebro com fins coletivamente úteis, sem se apegar a vaidades e ilusões de superioridade. Se inteligente for o que se presta a futilidades intelectuais, burras serão a ciência e o conhecimento, pois serão reduzidos ao mesmo patamar que grifes e acessórios, terão o mesmo valor que músculos e servirão menos que conversíveis vermelhos. Sinceramente, espero que estes gênios sejam muito mais que 2%.

PS: Como você deve supor, faço parte dos 98%.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mundo Obsceno

Ele usava um boné propositalmente torto. Sentava ao fundo do ônibus com seu corpo esquio e sem camisa. Falava alto, mexendo o piercing cor de abóbora que saltava abaixo do lábio inferior. Nas mãos, o visor reluzente da câmera tornava o celular chamativo e indiciava seu preço. Caro. Foi só o que pensei.

Sorria muito, isso é verdade, mas eu não achava graça. Não das letras que a voz desafinava repetia audivelmente para metade daquele coletivo. Ele e o amigo, um pouco mais bem vestido e sem piercing, riam e comentavam os versos obscenos que o celular emitia com deselegância. É a Música Popular Brasileira dos nossos tempos, eu lamentava. Maldita inclusão digital. Cheguei a praguejar na irritação, mas me corrigi, juro.

É muita falta de educação. Reclamou com razão a senhora descabelada, que sentava no banco ao qual eu estava de frente, em pé. Foi aí que me bateu o estalo. Muita, muita mesmo. Disse para confortá-la e para refletir.

É uma falta de educação maior do que a invasão do espaço alheio. É uma falta de educação cultural e coletiva, social e excludente. Pensei ainda sem muita piedade: como podia ele ter o que chamamos de educação? Creio que o “bom comportamento” não é concebido na fecundação. Ele é adquirido dos pais, da família, do meio onde se vive, dos amigos, da escola, da religião e de outras instâncias de transmissão de valores sociais.

Olhei para aquele rapaz que deveria ser ainda mais jovem que eu. Permita-me ser preconceituoso. E se seus pais o tiveram na idade que ele tinha agora? – O que não é incomum – Como poderia ter educação se seus pais não a tiveram, como não tiveram escola, bom emprego e base familiar? Como poderia ter outro comportamento se seus amigos se portam desse jeito, com nuances a mais ou a menos? Como poderia saber algo além de seu universo, se, na escola, não teve professores que o respeitaram e não foram respeitados? Como poderia ser diferente se suas referências, seus ídolos e artistas não passam de outras vítimas da deseducação generalizada? Como poderia mudar se eu e todos os que resmungavam mentalmente sentíamos repulsa diante de sua pequinês de espírito, mas com uma menor ainda.

Ele era o que foi produzido para ser. O que permitiram que fosse. O que permitimos diariamente, não apenas por omissão, mas por não saber como quebrar esta corrente de valores torcidos e incômodos. Continuei irritado com a música, com o rapaz e com o ônibus que não tinha lugar, mas fiquei pensando em um adjetivo para este mundo de tantas coisas a reclamar.

Obsceno, conclui. Mais que a letra, bem mais.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Inovar é mesmice

Desde o desfile pop com o carro do DNA, venho acompanhando o trabalho do Paulo Barros. Como amante do carnaval da Sapucaí, confesso que recebi toda aquela ausência de plumas e esculturas com muita desconfiança. Depois vieram a bateria no carro, a alegoria de ponta cabeça, as originais aparições de E.T. e Wolly, os caixões coreografados no carro do Drácula e outras inúmeras idéias sem precedentes. Quando a Tijuca entrou na avenida neste ano, sentei com grande expectativa em frente à TV para conferir qual seria a nova peripécia do Oswald Andrade do samba, e não me decepcionei. O título mais do que merecido me fez pensar em como a inovação se tornou uma exigência cotidiana, seja ela mercadológica ou não.

Sejamos nós os publicitários das Havaianas ou os vendedores de bala em ônibus, estamos submetidos a esta exigência da vida moderna. Como diz meu colega de república, faculdade e estágio, até pedir esmola tornou-se uma atividade pouco rentável sem piruetas, jingles, trabalhos artísticos ou encenações dramáticas pouco convencionais. Nos cursinhos, professores têm que inventar “musiquinhas” para a tradicional decoreba, poemas matemáticos, aulas mais cinematográficas e até piadas de humor negro e didático. O que dizer então do mundo pop? Com uma ascensão meteórica, Lady Gaga já está tão à frente de nossa época que parece saída do fim dos tempos. Guardadas as proporções, até o Big Brother tem que reinventar detalhes a cada edição para não ter quedas ainda piores de audiência. No Twitter, a guerra é para fazer a piada original em tempo real e, na religião, uma denominação inovadora surge a cada esquina com novos rumos para o cristianismo.




E nós? Bom, nós somos massacrados pelo choque com idéias novas a cada momento. E vale lembrar que nem tudo o que inova melhora. Aceleramos de tal forma a locomotiva do novo que mal aproveitamos o potencial da sugestão de semana passada, que já parece repetitiva sete dias depois. Os referenciais mudam tão depressa, que já não há mais tempo ao menos para identificá-los. Não me darei ao trabalho de esmiuçar a Modernidade Líquida de Bauman, mas saibam que o tema já é objeto de estudo de acadêmicos desde o século passado, que já parece distante o suficiente para ser chamado assim sem estranhamento.


Há um limite para a criatividade? É o que sempre questiono diante de tantas criações. Haverá um ponto em que não teremos mais nada de novo a inventar? Não sei. Um dia, quem sabe, alguém será chamado de gênio quando disser o quanto é inovador não inovar. Então, nos voltaremos ao démodé e perceberemos quanta coisa boa e útil ficou para trás. Bom, esta é a minha idéia. Se quiser inovar, procure a sua.