quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Desvio de Verbo

Existem coisas que o dinheiro não compra, mas para todas as outras funcionários de todos os escalões do governo têm abusado dos cartões corporativos. Desde que a Ministra da Inclusão Racial, Matilde Ribeiro, gastou uma nota preta, denúncias cada dia mais revoltantes tomaram conta das páginas dos jornais. De pirataria a hotéis de luxo, não houve pudor. Até uma CPI foi instaurada (como se aqui isso significasse alguma coisa). A disputa pelo controle das investigações só comprova que no Brasil o que não acaba em pizza vira circo. Aliás, o cartão pode ser usado nos dois casos.

O Ministério da Inclusão Social fez seu papel em abrir os olhos da sociedade para um fato, no mínimo, curioso: quando o assunto é corrupção, nenhum país é tão igualitário quanto o nosso. Há espaço para todos os níveis de escolaridade, hierárquicos e financeiros. Do segurança ao reitor, o desejo foi um só: dar a conta para o povo pagar.

Comprou-se de tudo, sem se importar com os preços. Na verdade, talvez tenha sido o contrário, quanto mais caro melhor. Imagino o trabalho que deu ao Magnífico Reitor da UnB encontrar uma lixeira de quase R$1 mil. Pelo menos agora tem onde jogar seu diploma com certa “dignidade”, visto que um reitor é o símbolo do conhecimento em uma sociedade, um verdadeiro avatar da inteligência. Posição que requer o mínimo de compostura, como vossa magnificência reconheceu, o que não quer dizer andar em um carro de R$70 mil pago pela Universidade. Taí, eis um cargo em que ainda depositava minha confiança.

À margem da apuração dos fatos ficará uma gorda parcela, usada para assuntos de segurança nacional. Penso que todos os gastos poderiam ter essa finalidade, se fossem empregados na reforma do sistema penitenciário, na fiscalização das fronteiras, no combate ao crime organizado ou na modernização das forças armadas. Se o segredo é de interesse público, muito mais público é o interesse pela verdade.

“Longe da corrupção”, o legislativo debate temas muito mais importantes. Enquanto a situação tenta tomar as rédeas da CPI, para implantar uma comissão do “bem”, a oposição faz discursos histéricos e chantagens demagogas para investir em uma nova cruzada contra a invicta popularidade de Lula. Ou teremos governistas se auto-flagelando com chicotes de algodão, ou opositores plantando bananeiras para a mídia. Vale lembrar que essa é uma das muitas formas que serão usadas para ganhar os holofotes em ano eleitoral. Como disse acima, existem coisas que o dinheiro não compra. Voto não é uma delas.

À medida que percebemos o quanto o Portal de Transparência é opaco, questiono o que ainda falta ser descoberto sobre a corrupção. Esse fenômeno patológico em nossa sociedade mostra-se cada vez mais uma epidemia. Já sabemos que é parte da cultura, que atinge todas as camadas sociais e que não faz distinção de gênero, etnia nem formação acadêmica. Está em todos os estados, desenvolve formas cada vez mais eficientes e algo me diz que se revela apenas quando é conveniente. Onipotente, onipresente e onisciente. Corrupção no Brasil é mais que hábito enraizado, é religião.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

'Fashion Week'

Celebridades, fatos não esperados, reviravoltas, polêmicas e estilo. Essa não foi a fashion week, mas bem que poderia ter sido. Parece que não foi só o relógio que acordou diferente no domingo, nos últimos sete dias vivenciamos momentos históricos – outros nem tanto – que podem representar indicações de quais serão as tendências das próximas estações. Vale a pena fazer um apanhado geral.

No Brasil, o verde está “out”. Pelo menos foi nisso que apostou a população de Tailândia, cidade paraense que impediu o início da apreensão de madeira ilegal da Amazônia, armazenada no município. Após demissões em massa, orquestradas pelas madeireiras para obrigar o povo a lutar por seus empregos, centenas de pessoas chegaram a incendiar um carro para barrar o comboio do Ibama. Já os ministros Tarso Genro e Marina Silva ficaram “beges” de espanto, e preferiram não comparecer.

Na terra de Gisele Bündchen, quem brilhou foi outro top, Lula, que finalmente pôde lançar mão do jargão “Nunca na história desse país” de forma adequada. O “vermelho” ficou para traz, e agora no “Azul”, somos credores. Só falta saber se será azul celeste, ou algum meio “água suja”.

Outro tom em alta é o azul petróleo, que atingiu os US$100 o barril, para a alegria de Hugo Chavez. Após batalha judicial contra a Exxon, o presidente venezuelano declarou que não pretende amarelar, e ameaçou os americanos, já que para eles muito mais negra que a fome, é a ausência de petróleo. Os latinos não pararam por aí. Na terra em que Hittler ascendeu ao poder, Capitão Nascimento virou herói e trouxe para casa o urso de ouro. A farda preta agora é ícone do cinema brasileiro, e ai dos “intelectualóides” que queiram questionar isso.

Os últimos dias mostraram que a camisa verde e amarela está para perder um dos mais ilustres usuários, Ronaldo. Apesar do esforço, o jogador deu sérios indícios de que jogará a toalha em breve. Quem não fará isso é Hillary, que ao ver seu fracasso cada dia mais iminente, se apega com mais força a bandeira rosa-choque. Já o afro-americano Obama escolheu um estilo alternativo – sem cordões de prata e super carros – e tem obtido resultados bem positivos. E ainda assim há quem se pergunte se os Estados Unidos estão prontos para um presidente negro.

Conservadores como sempre, os americanos mostraram que há algo em sua política que não sai de moda, o moralismo. Após ser pego com uma lobista, John McCain está de saia justa. Parece que a ala retrô do Partido Republicano vai ter que engolir mais este sapo se não quiser entregar os pontos.

Voltando ao Brasil, a antológica frase “há males que vêm para o bem” se fez valer novamente. Após a má-fé dos seguidores do Bispo Macedo mover céus e terras contra a mídia, algo de bom veio como resultado, um Ministro do Supremo anulou temporariamente a lei de imprensa. Em pleno século XXI a lei ainda permitia ações como recolhimento de jornais em caso de as edições ferirem a moral e os bons costumes. Coisas um tanto quanto anos 60.

Uma antiga conhecida do povo brasileiro tem ganhado uma cara nova, é a “repaginada” política do pão e circo, que parece se tornar cada dia mais “do circo, e tá bom”. O Timemania vai direcionar 22% dos recursos arrecadados com as apostas para clubes de futebol. Já a seguridade social ficará com apenas 1%. Em ano de eleição, deputados reforçam o novo look da velha política e garantem o maior aumento de verba por meio de emendas para os Ministérios do Turismo e dos Esportes, que têm apelo muito mais circense.

Uma moda que, pelo bem da humanidade, poderia pegar foi lançada pelo Kosovo. Após décadas de subordinação, Sarajevo afirmou sua autonomia com uma caneta e muita alegria. É uma pena que Belgrado e Moscou não tenham ficado muito satisfeitas. Em um ataque de pelancas, Putin chegou a ameaçar barrar a independência a força. Em protestos, a população sérvia atacou a embaixada americana e obrigou Bush a recuar com os diplomatas. Só falta saber o que a nova nação pretende fazer com as minorias étnicas.

Para o fim, o que houve de mais (in)esperado: a mudança de liderança na grife ideológica de Cuba. O antigo guru, Fidel Castro, passou o bastão sem que ninguém esperasse. Como um dos últimos mitos vivos do socialismo, Fidel é imprescindível para o equilíbrio na ilha do modo como ele se dá hoje. Após 49 anos no poder, o líder ficou um pouco fora de moda – apesar da jaqueta da Adidas – mas continua adorado pelos companheiros comunas. O país obteve muitas conquistas, ainda que com métodos controvertidos, porém afundou em uma crise. Agora é saber para que lado do Caribe Cuba boiará. Se entregará à tutela de Hugo Chavez, ou às incertezas de uma transição que irá muito além da política? Todo cuidado é pouco, já que não faltarão grandes marcas de olho na alta escolaridade e no baixo custo da mão-de-obra cubana.

Em uma indústria multi-bilionária como a da moda, mudanças se dão em um único dia, até com um simples acessório. Também é assim no mundo real. Em menos de 24 horas surgem novos paradigmas. Se espera que transformações durem anos, já deve estar um pouco antiquado. Portanto, não se surpreenda se tiver que renovar o seu armário de idéias em breve. Vestir camisas está em alta, mas o valor de suas cores vai muito além da estética. Responsabilidade social, meio ambiente, feminismo, ou seus antagônicos. Há quem as use por serem bonitinhas, e quem as repudie simplesmente pelo mesmo motivo. Ao escolher sua roupagem ideológica, reflita antes de cair no senso comum.

Cheios de pós-modernidades e síndromes de velocidade, vivemos hoje a Idade da Moda. Encare-a como quiser. Com um preto básico, que vai bem em qualquer situação, com um estilo próprio e independente de tendências, ou aderindo ao “in fashion”. Só não a ignore, pois em um mundo de aparências, você é o que veste. Isso é tudo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

'A estação está cheia'

Muitos tentam explicar como é a sociedade. Apelam para explicações instintivas, genéticas, psicológicas e religiosas. Uns pensam que o homem é bom e é corrompido. Outros juram que deve ser controlado com firmeza. Há ainda quem diga que as influências externas o constroem, ou que cada um já nasce com uma índole, vinda “de berço”, do DNA, ou de outras vidas. Se nada disso é certo como é possível diagnosticar problemas sociais com tanta facilidade como fazemos hoje?

Quem não ouviu que a solução para o Brasil é a educação? Será? Conheço tantos homens desonestos e cultos. Ou que o único jeito é re-implantar a ditadura? Duvido, já tivemos o bastante disso para saber que não funciona. Pior, e quando dizem que a saída para a violência é matar os bandidos, para que sirvam de exemplo. Certamente, ignoram o fato de que a drástica diminuição da expectativa de vida que teríamos, caso entrássemos no submundo, já é do conhecimento de todos. Como vivemos uma democracia, cada um que pense o que quiser.

Pois bem, para mim a sociedade é como um trem, daqueles totalmente abarrotados que saem bem cedo de suas estações em direção à Central, carregados com muita mão-de-obra para mais um dia de palmatória. Parece estranho? Eu sei, mas não desista ainda. Esse trem partiria já lotado, e os passageiros se sentiriam de formas diferentes quanto isso. Então pensemos neles.

Um pequeno grupo estaria satisfeito. Seus representantes encontravam-se sentados em bancos com encosto, espaço para apoiar o braço e vista privilegiada para a janela. Estavam orgulhosos, já que chegaram mais cedo e conseguiram garantir os melhores lugares. “Esforçaram-se” para aquilo. Sentiam-se tão merecedores de seus assentos, que não o cederiam nem por um segundo para ninguém. É claro que alguns pediram para que seu lugar fosse guardado por amigos, mas isso não muda nada em suas cabeças. O máximo de incômodo que tinham, era o calor insuportável, mas atribuíam a culpa aos montes de infelizes amassados nos corredores, ou à empresa que não instalou ar condicionado nos vagões.

Porém, não eram os únicos a estar sentados. Um outro grupo estava bem ao lado, em cadeiras não tão confortáveis, mas boas o bastante para proporcionar uma viagem tranqüila. O mais importante para eles, era levantar. Não para ceder o lugar, mais para ocupar o lugar dos primeiros, já que estavam mais próximos das melhores cadeiras do que qualquer um. Tinham tanta vaidade quanto os anteriores, e a única coisa que desejavam era que eles saíssem. Almejavam tanto aquela posição, que não permitiriam que ninguém, se não eles, a ocupasse.

Havia ainda mais um tipo de cadeira. Não tinha encosto, vista para janela, e ficava praticamente sufocada dentro da multidão. Os ocupantes não podiam esticar as pernas, nem cruzá-las. No máximo, eram capazes de abaixar a cabeça e dormir. O que pensavam era bem simples: “pelo menos estou sentado”. Mas, estavam tão próximos dos “desalentados” que não podiam deixar de ter compaixão e pedir para que deixassem carregar as bolsas. Faziam isso com muito mais freqüência que os demais.

A esmagadora maioria se esmagava nos corredores. Eram tantos, que não tinham consciência da quantidade que os acompanhava. O calor ali era mais intenso. O balançar do trem era mais intenso. A pressa de desembarcar era mais intensa. A posição desconfortável obrigava que se encostassem. Os encontros mais pareciam batalhas, com cotoveladas, joelhadas e pisões. Tudo por um mínimo espaço para se pendurar ou colocar os pés. Qualquer freiada, abrupta ou não, formava verdadeiras ondas de inércia, que massacravam todos, um a um. Apesar de olharem com certa inveja para quem dormia sentado, odiavam uns aos outros, pois acreditavam que eram os responsáveis pela situação. Eram desunidos. Não lembravam, porém, que a concessionária deveria garantir lugar para todos, já que todos os dias tomavam o mesmo trem.

Muitas idéias com certeza surgiriam para solucionar o problema. Um rodízio de lugares, provavelmente, seria a primeira delas. Contudo, aqueles que estavam sentados, principalmente os dos melhores lugares, criariam argumentos “plausíveis” para demonstrar que dividir não é a melhor medida. Se algum sistema de revezamento começasse, seriam capazes até de sabotá-lo. Convenceriam os outros de que aquilo era justo, e que poderiam sentar se chegassem mais cedo. Mentira, não havia lugar para todos. Entre os que estavam de pé, os mais radicais planejariam destruir o trem, para que todos embarcassem em outro, começassem do zero. Mais uma vez, quem tivesse o mínimo de conforto jamais concordaria, visto que o risco de ficar de pé, caso mudassem o trem, era bem maior. E mesmo quem não tinha lugar, quando conseguisse sentar, não aceitaria mudança, pois já estava acomodado.

Alguns seriam tomados pela revolta e até agrediriam os demais. Contaminados pelo mesmo sentimento, os passageiros iriam puni-lo de formas desumanas, coisas que não fariam se não estivessem imersos na selvageria. Alguns mais “visionários” aprenderiam a ganhar dinheiro em meio à crise. Venderiam lugares, alugariam por um tempo, e formas cada vez mais sofisticadas de se aproveitar do sofrimento alheio apareceriam. Para disfarçar o problema, a empresa até poderia oferecer lugares em bancos de plástico, já que mais conforto era urgente. Mas talvez o faria para ter maior aprovação.

Como resolver todo o impasse? A forma só poderia ser encontrada quando cada um dos grupos decidisse que todos deveriam ter lugares. Iguais ou não, que pelo menos permitissem que um trabalhador chegasse descansado e com dignidade em seu destino. Bom, você está se perguntado o que esse texto quer dizer? Se está, talvez esteja interessado demais em “conseguir sentar”, ou acordar cedo para defender seu lugar. Se entendeu e não concorda, já deve estar sentado. Mas se está de acordo, que tal convencer uns amigos a construir um novo trem? A estação está cheia.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

César Maia implementa Lei da Atração

Todos os grandes homens, ao longo da história, conheceram o segredo, Isaack Newton, Leonardo Da Vinci, Albert Einstein, Alexander Graham Bell, César Maia... Ôpa! César Maia? Ele pode não ser uma das maiores personalidades da humanidade, mas já provou que é um dos maiores adeptos do segredo. Por quê? Vejamos.

O completo caos na saúde carioca é rotina há algum tempo. A violência atinge níveis cada vez mais próximos de guerras. O trânsito mata mais e mais, e a Avenida Brasil, administrada pela Prefeitura, é a campeã em número de acidentes, com cerca de dois mil no ano passado, contra apenas 400 da segunda colocada. A conservação urbana é precária, e protestos como os do boicote ao IPTU estouram na imprensa. Nem é preciso dizer mais para saber que o Rio não anda muito bem das pernas, mas não é isso que pensa nosso Prefeito.

Em reportagem do Globo esta semana, foi revelado o custo da obra que entrará para a história dos monumentos “faraônicos” do Brasil, A Cidade da Música Roberto Marinho. Mesmo com todos os problemas enfrentados pela ausência de serviços básicos, o orçamento de 2008 terá 60% de sua verba para obras destinadas a um só endereço, "Cebolão", Barra da Tijuca.

Talvez a opção reflita os ensinamentos do best-seller absoluto entre os “auto-ajudas”, O Segredo, de Rhonda Byrne. Se for o caso, foi aplicada a lei que finalmente solucionará o que quatro Constituições e infinitas emendas não conseguiram, a Lei da Atração. Com um pouco de otimismo e muita imaginação, segundo a autora, é possível atingir qualquer objetivo. “É só acreditar que já conseguiu”, e bingo, “seu desejo é uma ordem”. Parece então que o Rio de Janeiro que César Maia governa é uma mentalização em que nossas necessidades foram supridas e podemos nos dar ao luxo de construir tamanha proeza.

Tiroteio no alemão? Mentaliza. Boicote ao IPTU? Mentaliza. Filas nas emergências? Mentaliza. Não há limites para o que se pode conseguir com o poder de sua mente. Se bem que isso não é novidade na Prefeitura, visto que já está na educação há um bom tempo. Aluno reprovado? Mentaliza. Aprovado!

Não que eu seja contra a cultura. Muito pelo contrário, é louvável o incentivo à promoção cultural que um complexo de alto nível como esse gera. Nesse aspecto, tiro o chapéu para César Maia. Mas quem irá freqüentar a Cidade da Música? Com certeza não serão os que esperam atendimento nos hospitais, nem os que são atingidos por balas perdidas ou achadas. A orquestra que ouvirão será a própria família em prantos nos enterros. Ou melhor, nem essa.

O dinheiro empregado para concluir a obra poderia ter sido usado para construir cinco hospitais de grande porte, ou uma via expressa como a linha amarela, com folga. Despoluiria as lagoas da Barra. Reconstruiria o Engenhão. Não que precisemos de outro, mas até o Pan já está comendo poeira. Mas que bobeira a minha, fico contando miséria. O certo é pensar em abundância. Imaginar que temos dinheiro para o que bem entendemos, assim receberemos mais. Vide o próprio prefeito que começou avaliando a obra em R$88 milhões e já conseguiu R$461,5 mi.

Fico pensando qual será o destino do orçamento de 2009? Que tal uma Cidade do Funk para acompanhar a do Samba? Até achei o sambódromo pequeno esse ano, um maior cairia bem. Cidade do Pagode, da Cerveja. Bom seria se fosse usado para construir a tal “Cidade Maravilhosa”.