domingo, 1 de março de 2009

Estado de alerta


Vamos dizer que você tenha um terreno. Nada muito grande nem valorizado, só um pedaço de terra seca em que nada cresce, mas com um valor sentimental. Para sobreviver, ou para viajar mesmo, você deixa o local. Ele não estava registrado em seu nome e você não incumbe ninguém de tomar conta. Você faz a sua vida fora, enriquece, ganha poder e prestígio, mas sofre uma tragédia. Algo terrível que traumatiza sua família para sempre. Mal tratado em terras alheias, você decide regressar às origens, já sabendo que seu terreno não estava mais desocupado. Alguém se mudara para lá, fizera a própria vida, construíra a própria casa e laços com aquele local que antes estava abandonado. Em reconhecimento à sua dor, todos lhe dão apoio e garantem sua posse sobre as terras. Você expulsa os moradores que vivem lá há anos ou divide o espaço com eles? Se você escolheu a primeira opção, você é Israel.

A complicada situação posta acima é uma explicação superficial da causa do conflito entre judeus e muçulmanos no Oriente Médio, mas, por si só, não dá conta de toda a questão. Desde a criação de Israel, em 14 de março de 1948, quando os judeus se declararam nação, guerras aumentaram o rancor entre os dois lados e intensificaram a disputa pela terra, santa para ambos. Com o apoio do Ocidente, Israel saiu vitoriosa de todos os conflitos e pôde realizar ações militares duvidosas, como a mais recente incursão em Gaza.

Recentemente, o panorama político na região está se modificando. As eleições do parlamento israelense derrubaram de vez o partido trabalhista e deram o poder à direita. O Likud (direitista) e o Kadima (centrista), os dois mais votados, não chegam a um acordo sobre a formação do governo, apesar dos apelos do presidente Shimon Perez. A extrema-direita ganhou força e os três maiores partidos árabes também avançaram no Congresso. O discurso extremistas e anti-palestino tem se fortalecido e o apoio popular às invasões também.

A população israelense sabe que vive cercada de inimigos por todos os lados. O Hizbollah causou a última crise entre os judeus e o Líbano, “resolvida” por Israel com o método já conhecido pelo país, o militar. Os foguetes do Hamas levaram ao mesmo desconforto e à mesma reação desproporcional hebraica, o bombardeio a Faixa de Gaza, que matou mais de 1,5 mil palestinos. O Irã e a Síria, vizinhos malquistos pelo país, também são vistos como ameaça, o que não é gratuito. Os dois governos já manifestaram seu repúdio às ações de Israel, e sequer reconhecem a existência da nação. Em uma de suas declarações mais marcantes, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad afirmou que varrerá Israel do mapa. Ehud Barak, ministro da defesa israelense, por outro lado, garantiu que seu país irá às últimas consequências para impedir que o Irã tenha armas nucleares.

Antes inimigos, os partidos Hamas e Fatah, que detêm o controle da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, respectivamente, reataram os laços e se uniram para fortalecer os palestinos, que a cada dia conquistam mais aliados no cenário internacional, como a Venezuela, que expulsou o embaixador israelense com o início da invasão. Na Europa, há um consenso de que apesar de ameaçada, Israel reage de modo desigual e desnecessário. A União Européia foi um dos maiores opositores ao mais recente ataque e representantes dos maiores países do bloco visitaram a região para negociar a paz. Os EUA, maiores aliados no Ocidente, agora são governados por Obama, cujo discurso não é tão pró-Israel quanto o de seus antecessores. Atritos com a ONU e até mesmo com a Igreja Católica contribuem para prejudicar a imagem dos israelenses no panorama internacional. Israel também enfrenta problemas internos. Os judeus estão divididos entre os moderados e os exaltados. Por outro lado, a população muçulmana cresce e expande sua influência política.

Diante de tantos obstáculos, o povo judeu tem como maior desafio a paz, não uma paz imposta militarmente, mas uma negociada e que beneficie a todos. Israel deve impedir que o revanchismo e o ódio norteiem seu governo e evitar ações agressivas que matam mais civis inocentes que terroristas. Ao invés de muros, deve-se construir pontes. O Oriente Médio precisa de líderes dispostos a lidar com grupos extremistas sem perder a consciência de que o Estado não pode se igualar a eles nem abrigá-los. O Oriente Médio precisa de diplomacia responsável e comprometida com o bem-estar de toda a região, para que não se fale mais em holocausto na Terra Santa.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Brasis


Potência emergente ou democracia atrasada? No início do século XXI o Brasil enfrenta uma verdadeira crise de identidade. Não que uma coisa exclua a outra, mas a Ordem e o Progresso não parecem mais andar de mãos dadas na república verde-amarela.

A crise mundial se agrava a cada dia, e, não só o governo, mas analistas reconhecidos internacionalmente consideram a economia brasileira uma das mais sólidas e bem preparadas para enfrentar as turbulências. Basta olhar outros emergentes e desenvolvidos. Japão, Rússia, Chile, Alemanha, EUA e tantos países de diferentes patamares de grandeza vêm anunciando dados catastróficos. O Brasil não sai ileso, o que seria impossível para uma economia globalmente integrada, mas é apontado como o mais seguro entre os grandes, de acordo com a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conhecida como “Clube dos Ricos”.

Ao mesmo tempo, o país abriga um presente com cara de passado, em que os mesmos escândalos de sempre nem são mais capazes de sacudir a opinião pública. Acusada de semifeudal pela revista britânica The Economist, a política nacional ainda comporta figuras como José Sarney em cargos elevados do Legislativo. O atual presidente do Senado tem um passado de relação próxima com militares, foi integrante do ARENA e teve um governo econômicamente fracassado logo após a redemocratização. Como que para enriquecer a figura de linguagem, estoura o caso do castelo milionário em São José Nepomuceno. O Deputado Edmar Moreira {DEM [Ex-PFL ( Ex-ARENA]} alega que não há nada de irregular com o palácio Monalisa, mas peca na justificativa, já que sua vida de empresário tem algumas manchas. 2.700 processos trabalhistas cobram direitos não pagos…

Os dois Brasis conflitantes não são os únicos existentes no território nacional. Há o pais do poder paralelo, o das ONGs irregulares, o do SPFW, o dos latifundiários e dos sem-terra, o da Paraisópolis e do Leblon de Manoel Carlos, o do BBB, o da bola, o das igrejas fundamentalistas, das crianças violentadas e tantos outros. De fato, o Brasil é o país da diversidade e da tolerância. Há diversos estilos de vida, da linha da pobreza a classe A, e uma população inabalavelmente tolerante, cuja compreensão com o absurdo é impagável e imensa, ainda maior que o Castelo Monalisa.




domingo, 18 de janeiro de 2009

Omeletes e Maquiavel



Uma decisão do nosso ministro da Justiça tem gerado uma situação, no mínimo, embaraçosa entre Brasil e Itália. Para quem não tem acompanhado a mídia, uma situada: Tarso Genro se negou a deportar o italiano Cesare Battisti, que foi condenado por terrorismo. O ex-militante foi acusado de participar de movimentos radicais de esquerda, que fizeram vítimas no país na década de 70. Preso pela PF em março de 2007, Battisti continua em uma prisão de Brasília.

O caso possui uma diversidade de poréns que devem ser analisados antes que se diga que o Brasil está abrigando um terrorista, e, também, muito antes que se afirme que estamos socorrendo um herói revolucionário. Seria a decisão de Genro, um corporativismo ideológico? Mais uma vez o governo Lula faz uma questionável manobra diplomática com motivos que beiram a simpatia política. Vale lembrar o amparo dado aos governos esquerdistas da América Latina, que vivem espezinhando o Itamaraty. Há erros e acertos na política externa brasileira, e, principalmente, leviandade em muitas afirmações feitas na mídia. Voltando: Seria uma questão de direitos humanos por Battisti não ter participado de seu próprio julgamento? Seria simplesmente um desafio a um pais desenvolvido como a Itália, o que “““““reforçaria””””” nossa ascensão como força política mundial? Não entrarei no mérito de nenhuma das questões.

Chamou-me a atenção ouvir um argumento da defesa do italiano. Alegou-se que Battisti cometeu crime por motivos políticos, e que por isso, não deveria ser preso. Separando a discussão do caso particular da esquerda ex-radical italiana, e tratando do assunto mais genericamente: vale cometer crimes em nome de supostas transformações políticas e sociais? Em busca do fim de regimes opressores e injustos? Em defesa dos direitos humanos, da liberdade e da democracia? Até onde a bandeira de uma ideologia pode nos levar, e até onde uma motivação positiva deve gerar concessões?

Ao longo da história, processos sangrentos foram o principal motor de propulsão das transformações. Revoluções Francesa, Russa, Chinesa, Cubana; Independência dos EUA, Haiti, México. Sem falar de guerras que alteraram o panorama global e tantas outras disputas que banharam de sangue os manifestos e panfletos políticos.

Nem entro no mérito de atos de vandalismo, falo apenas de ações que vitimizam pessoas. Em nome de um país mais justo, valem chacinas na classe dominante, fuzilamento de congressos, ataques terroristas contra civis, e tantas outras atrocidades que desrespeitam os direitos humanos?

Há quem diga que não se faz uma omelete sem quebrar os ovos, ou que os fins justificam os meios, ou que sacrifícios são necessários. Penso também no Hamas, que contra a repressão israelense tem cometido barbaridades. É legítima a reação violenta do oprimido contra o opressor? Não chego a conclusões definitivas.

Penso que a vida é o maior de todos os bens a ser preservado. Penso que a violência em nome de causas nobres ainda é violência. Penso que não se podem abrir concessões em princípios conforme pedem as circunstâncias. Caso contrário, seria a favor dos homens-bombas, dos mísseis contra Israel, da caça aos nobres na Noite do Terror, do tratamento desumano a criminosos em morros cariocas, dos atentados de 11 de setembro e de tantos outros episódios engajados e sombrios de nossa história.

Apesar disso, reconheço que sem luta não se teriam derrubado as ditaduras na América Latina, não se extinguiria o Feudalismo, não se acabaria a colonização européia ao redor do mundo nem se poderia conquistar a democracia em incontáveis países. Mas a luta não necessariamente precisa ser um banho de sangue e terror em grande parte do planeta. Com um “sistema democrático” consolidado, muitas nações já podem reformar suas estruturas e fazer belas omeletes sem quebrar ovos. Para os mais afoitos e radicais, creio que tal afirmação não sirva de consolo. Entre dar início a mudanças radicais, por meio de processos violentos, que não têm previsão de onde parar, e poupar vidas, fico com a segunda opção.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

2008

5... 4... 3... 2... 1...


Enquanto, em segundos, passávamos do passado para o futuro, era inevitável o choque entre lembranças e expectativas, entre feitos e planos. Recordar tudo de importante que ocorreu em 2008 é uma tarefa impossível. Todos os avanços, retrocessos, tragédias, glórias, surpresas e frustrações. Não há como dizer se o ano foi bom, mas, sem dúvidas, é possível afirmar que foi inesquecível.

Escândalos: Cartões deixaram no vermelho a credibilidade do governo. Certificamo-nos de que a corrupção não tem preferidos: sindicalistas, banqueiros, reitores, policiais, jornalistas e ministros, todos fizeram a sua parte. Dossiês detonaram uma onda de desconfiança. Informantes, grampos, espionagem, ninguém estava a salvo. Operações cinematográficas prenderam. Decisões controversas soltaram. Instituições mediram forças. Prefeitos eleitos viram cair por terra suas vitórias. A Justiça teve de abrir os olhos diante da cegueira da população. O passado de vereadores ficha suja não impediu que votações expressivas os glorificassem e estas, por sua vez, não evitaram que medidas judiciais os derrubassem. Mais 7.343? Para quê?

Na América Latina, a política ficou picante. Cai Fidel, se fortalece Chavez. As Farc se viram diante de uma campanha internacional contra sua existência. Invasão de território: Colômbia e Equador quase perderam as estribeiras. O Mercosul mostrou o muito que ainda falta progredir. Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil, Venezuela: Faltou consenso, sobraram alfinetadas. No Equador, a represa da Odebrecht rompeu relações entre os hermanos e os tupiniquins, mas o calote anunciado foi apenas um susto. Superadas (?) as turbulências, os líderes regionais se reuniram para a confraternização de fim de ano na Bahia. Sem EUA e Europa, testemunhamos o Brasil encabeçar o encontro e mostrar que tem representatividade no continente. Será?

Sem exageros, presenciamos um ano de transformações globais. Um negro toma posse da casa dos brancos nos EUA. No ninho do pássaro nasce a China potência, extravagante, controversa e grandiosa. À frente da UE, Sarkozy mostra (ou tenta) a força do bloco e sua autonomia e influência diplomática. Golpe de estado na Guiné, genocídio no Sudão, cólera no Zimbabue, pirataria na Somália. A África continua a sangrar as conseqüências da ambição alheia. Grécia e Tailândia viram a força do povo. Rússia e Israel atacaram sem piedade vizinhos menores. No Iraque, o fim da guerra já é anunciado. Em Gaza, promete-se sua continuidade. No mundo globalizado, brasileiros são barrados na Espanha. Na economia mundial, a crise assusta.

Citigroup, Lehman, GM, Toyota, Panasonic, Vale, Peugeot e até o New York Times. Em quem ainda acreditava na lógica do sistema capitalista, ele próprio deu uma rasteira. Seria o fim do sonho americano? Montadoras pedem socorro, bancos pedem concordata e milhares pedem empregos. A recessão bate a porta e entra sem cerimônia: EUA, Reino Unido, Espanha, Japão, Alemanha, Itália, Canadá. Nem o paraíso escapou: Islândia, medalha de ouro em IDH, viu as ações de seu maior banco virarem pó. Argentina mergulhou novamente no abismo. China e Rússia viram a economia desacelerar. E o Brasil, está seguro? Petrobrás reviu projetos, o dólar despencou e o crescimento caiu. A Bovespa teve a pior desvalorização em décadas. Queda também no petróleo. Às pressas, a Opep diminuiu a oferta, mas viu o barril chegar a casa dos US$30. 2009 é aguardado com previsões sombrias.

A natureza foi implacável. Nevascas na América do Norte, terremotos na Ásia, secas na Austrália. Foram 220 mil mortos em desastres naturais. No Brasil, o clima enlouqueceu. Tempestades e estiagens se revezaram no território nacional. Minas, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Poucas vezes se viu tanta chuva. Desacostumado a assistir catástrofes no próprio território, o brasileiro ficou chocado com a tragédia, mas não se calou. Toneladas de doações fizeram milagres entre os flagelados. Em Bangladesh as proporções foram gigantescas, 1,2 milhão de desabrigados. Na China, ainda maiores: 80 mil mortos em um único terremoto. O recado foi dado, mas quem pesará mais na mesa dos líderes mundiais: a crise ou o clima?

Na mídia, o noticiário virou novela. Dramas pessoais explorados à exaustão se tornaram nacionais. Isabela Nardoni, Eloá, João Roberto, Daniel Duque e tantas outras vítimas jovens emocionaram o Brasil e ocuparam espaço constante na comunicação de massa. Estaria o brasileiro cansado ou acostumado com a violência? Bebês abandonados, crianças torturadas, babás agressoras. Os casos precisaram ser cada vez mais hediondos para ganhar destaque.

Assim como todo ano, 2008 não acabou. O intervalo entre 1º de janeiro e 31 de dezembro nada mais foi do que a continuação de processos sociais e de transformações, que seguem rumo em 2009, 2010 e sucessivamente. Caem paradigmas e novos se erguem. Não em 365 dias, mas em décadas e séculos. Um ano, por mais que não caiba em post de blog, é apenas um recorte.

Após um texto como este, só cabe a mim desejar um Feliz 2009!