domingo, 8 de junho de 2008

A Mulher Moderna

Mas você tem um plano? Não eu tenho um vestido. Em reportagem de capa da edição desta semana, a revista Época celebra a ascensão de um estilo de vida feminino da classe média, que não tem culpa em assumir a compulsão sexual-consumista. Intituladas mulheres modernas pós-feministas, as personagens de Sex And The City, que ganhou adaptação no cinema, se tornaram modelos de um movimento de auto-estima e gastos fúteis elevadíssimos.

Após toda a luta feminista por liberdade, é vergonhoso a mulher do século XXI permitir que sua imagem seja “inventada”, como sugere a revista, por um seriado enlatado com fins claramente comerciais e ideológicos. Quando Carrie (Sarah Jessica Parker) afirma ter prazer em gastar R$485 dólares em sapatos por não ter que comprar fraudas, diabolicamente usa de um discurso convidativo. As mulheres, assim como todos os seres humanos, querem ver seus desejos imediatos satisfeitos, e comprar fraudas dificilmente aí estaria enquadrado. Por que é tão vantajoso glorificar as vontades? Porque nada é mais irracional que o anseio de ter, que na sociedade moderna necessariamente implica em consumir.

Nada é gratuito em Sex And The City, nem na reportagem da Época. Em sua generosa missão civilizatória de transpor a cultura americana em terras verde e amarelas, a revista não poderia deixar de comparar as dondocas novaiorquinas com paulistanas bem resolvidas. São Paulo, como sempre, é espelho de Nova Iorque. A estratégia de distribuir os papéis para “mulheres de verdade” pula algumas etapas na identificação com o público feminino e vai direto ao que interessa: qual das quatro você é? Ou, se preferir, qual das quatro você tem que ser?

Carrie, que não é a estranha, é um pôster publicitário da multi-bilionária indústria da moda. Fútil? Não, apenas mulher. Isto é o que você, leitora, deve pensar. Relacionar a insana compulsão por roupas caras à natureza feminina é um insulto a sua inteligência. Samantha, “muleca-piranha”, pensa como os “homens”, reduzidos a meros animais no cio. Maquia-se porém com uma feminilidade que caracteriza-se por muito dourado e saltos altíssimos, como explica a revista, que comemora a relação amorosa da personagem com outra interpretada por Sônia Braga. Brasil-sil-sil! Independente e mãe solteira, a workaholic Miranda teme terminar como uma medíocre mulher de família, com um marido e um cachorro. Charlotte é tida como o limite do pudor na série, apesar de deitar-se com metade da cidade. Acredita no amor ainda que afirme que orgasmos não mandam bilhetes nem seguram a mão no cinema – frase selecionada pela reportagem.

Quem não se identificar com nenhum dos quatro esteriótipos não deve se decepcionar. A revista indica cuidadosamente como cada uma se veste e pensa, para que não seja difícil o “upgrade”. A reportagem dedica a longevidade da série à capacidade de formular as perguntas certas e relevantes que as mulheres devem fazer: Devo telefonar para ele ou esperar? Ter filhos ou comprar sapatos?

Solteira, com mais de 30 anos, urbana, bem sucedida, consumista, sexualmente ativa e na moda. Esta não só é como deve ser a mulher moderna, na visão do seriado e da revista. Se você tem dívidas no cartão, sobre-peso, uma casa no subúrbio, um sub-emprego ou um marido que vê o jogo todo domingo, não atende aos pré-requisitos necessários para ser uma mulher feliz no século XXI, apesar de sofrer com todos os contratempos contemporâneos. A realidade de Sex And The City é precisa, mas não é a mesma das milhões de mulheres brasileiras que freqüentam lojas de departamento e compram fraudas. Se o público-alvo da reportagem foi as quatro personagens da série e suas seguidoras egoístas e esquizofrênicas, a revista está mais in do que nunca.
*imagem retirada de wildaboutmovies.com

Um comentário:

Anônimo disse...

O consumo reitera os laços de sociabilidade em uma conexão planetária. Digo isto, pois, segundo a crítica muito bem elaborada por um editor que se preocupa em dar uma ótica mais "humana" ao consumo, a frase de abertura entra em consonância com o que vemos na atual conjuntura social. O que isso significa? "It means" que ao contrário dos movimentos surgidos durante as décadas de 60 e 70 do século XX, os quais saiam às ruas e avenidas para reivindicar pelos direitos que gostariam de possuir, a Geração X captou como ser reconhecida dentro da sociedade capitalista: CONSUMINDO. As relações de poder incutidas pela detenção do capital reconhecem os grupos sociais, que se diferenciam entre si, mas que colaboram dentro que um grupo maior. Pelo menos deveria, não é? Sendo assim, se em pleno cinqüentenário da publicação dos Direitos Humanos a sociedade não reconhece a mulher independente, a população afro-descendente ou os homoafetivos, nada mais eficaz do que através do seu poder aquisitivo criar um "nicho de mercado", o qual formará uma oferta no mercado, cujo governo em voga criará leis para sua regulamentação e fomento do consumo. Pronto! "Somos reconhecidos", diriam todos os renegados que lutam pela igualdade e reconhecimento dentro da sociedade.