Muitos tentam explicar como é a sociedade. Apelam para explicações instintivas, genéticas, psicológicas e religiosas. Uns pensam que o homem é bom e é corrompido. Outros juram que deve ser controlado com firmeza. Há ainda quem diga que as influências externas o constroem, ou que cada um já nasce com uma índole, vinda “de berço”, do DNA, ou de outras vidas. Se nada disso é certo como é possível diagnosticar problemas sociais com tanta facilidade como fazemos hoje?
Quem não ouviu que a solução para o Brasil é a educação? Será? Conheço tantos homens desonestos e cultos. Ou que o único jeito é re-implantar a ditadura? Duvido, já tivemos o bastante disso para saber que não funciona. Pior, e quando dizem que a saída para a violência é matar os bandidos, para que sirvam de exemplo. Certamente, ignoram o fato de que a drástica diminuição da expectativa de vida que teríamos, caso entrássemos no submundo, já é do conhecimento de todos. Como vivemos uma democracia, cada um que pense o que quiser.
Pois bem, para mim a sociedade é como um trem, daqueles totalmente abarrotados que saem bem cedo de suas estações em direção à Central, carregados com muita mão-de-obra para mais um dia de palmatória. Parece estranho? Eu sei, mas não desista ainda. Esse trem partiria já lotado, e os passageiros se sentiriam de formas diferentes quanto isso. Então pensemos neles.
Um pequeno grupo estaria satisfeito. Seus representantes encontravam-se sentados em bancos com encosto, espaço para apoiar o braço e vista privilegiada para a janela. Estavam orgulhosos, já que chegaram mais cedo e conseguiram garantir os melhores lugares. “Esforçaram-se” para aquilo. Sentiam-se tão merecedores de seus assentos, que não o cederiam nem por um segundo para ninguém. É claro que alguns pediram para que seu lugar fosse guardado por amigos, mas isso não muda nada em suas cabeças. O máximo de incômodo que tinham, era o calor insuportável, mas atribuíam a culpa aos montes de infelizes amassados nos corredores, ou à empresa que não instalou ar condicionado nos vagões.
Porém, não eram os únicos a estar sentados. Um outro grupo estava bem ao lado, em cadeiras não tão confortáveis, mas boas o bastante para proporcionar uma viagem tranqüila. O mais importante para eles, era levantar. Não para ceder o lugar, mais para ocupar o lugar dos primeiros, já que estavam mais próximos das melhores cadeiras do que qualquer um. Tinham tanta vaidade quanto os anteriores, e a única coisa que desejavam era que eles saíssem. Almejavam tanto aquela posição, que não permitiriam que ninguém, se não eles, a ocupasse.
Havia ainda mais um tipo de cadeira. Não tinha encosto, vista para janela, e ficava praticamente sufocada dentro da multidão. Os ocupantes não podiam esticar as pernas, nem cruzá-las. No máximo, eram capazes de abaixar a cabeça e dormir. O que pensavam era bem simples: “pelo menos estou sentado”. Mas, estavam tão próximos dos “desalentados” que não podiam deixar de ter compaixão e pedir para que deixassem carregar as bolsas. Faziam isso com muito mais freqüência que os demais.
A esmagadora maioria se esmagava nos corredores. Eram tantos, que não tinham consciência da quantidade que os acompanhava. O calor ali era mais intenso. O balançar do trem era mais intenso. A pressa de desembarcar era mais intensa. A posição desconfortável obrigava que se encostassem. Os encontros mais pareciam batalhas, com cotoveladas, joelhadas e pisões. Tudo por um mínimo espaço para se pendurar ou colocar os pés. Qualquer freiada, abrupta ou não, formava verdadeiras ondas de inércia, que massacravam todos, um a um. Apesar de olharem com certa inveja para quem dormia sentado, odiavam uns aos outros, pois acreditavam que eram os responsáveis pela situação. Eram desunidos. Não lembravam, porém, que a concessionária deveria garantir lugar para todos, já que todos os dias tomavam o mesmo trem.
Muitas idéias com certeza surgiriam para solucionar o problema. Um rodízio de lugares, provavelmente, seria a primeira delas. Contudo, aqueles que estavam sentados, principalmente os dos melhores lugares, criariam argumentos “plausíveis” para demonstrar que dividir não é a melhor medida. Se algum sistema de revezamento começasse, seriam capazes até de sabotá-lo. Convenceriam os outros de que aquilo era justo, e que poderiam sentar se chegassem mais cedo. Mentira, não havia lugar para todos. Entre os que estavam de pé, os mais radicais planejariam destruir o trem, para que todos embarcassem em outro, começassem do zero. Mais uma vez, quem tivesse o mínimo de conforto jamais concordaria, visto que o risco de ficar de pé, caso mudassem o trem, era bem maior. E mesmo quem não tinha lugar, quando conseguisse sentar, não aceitaria mudança, pois já estava acomodado.
Alguns seriam tomados pela revolta e até agrediriam os demais. Contaminados pelo mesmo sentimento, os passageiros iriam puni-lo de formas desumanas, coisas que não fariam se não estivessem imersos na selvageria. Alguns mais “visionários” aprenderiam a ganhar dinheiro em meio à crise. Venderiam lugares, alugariam por um tempo, e formas cada vez mais sofisticadas de se aproveitar do sofrimento alheio apareceriam. Para disfarçar o problema, a empresa até poderia oferecer lugares em bancos de plástico, já que mais conforto era urgente. Mas talvez o faria para ter maior aprovação.
Como resolver todo o impasse? A forma só poderia ser encontrada quando cada um dos grupos decidisse que todos deveriam ter lugares. Iguais ou não, que pelo menos permitissem que um trabalhador chegasse descansado e com dignidade em seu destino. Bom, você está se perguntado o que esse texto quer dizer? Se está, talvez esteja interessado demais em “conseguir sentar”, ou acordar cedo para defender seu lugar. Se entendeu e não concorda, já deve estar sentado. Mas se está de acordo, que tal convencer uns amigos a construir um novo trem? A estação está cheia.
Quem não ouviu que a solução para o Brasil é a educação? Será? Conheço tantos homens desonestos e cultos. Ou que o único jeito é re-implantar a ditadura? Duvido, já tivemos o bastante disso para saber que não funciona. Pior, e quando dizem que a saída para a violência é matar os bandidos, para que sirvam de exemplo. Certamente, ignoram o fato de que a drástica diminuição da expectativa de vida que teríamos, caso entrássemos no submundo, já é do conhecimento de todos. Como vivemos uma democracia, cada um que pense o que quiser.
Pois bem, para mim a sociedade é como um trem, daqueles totalmente abarrotados que saem bem cedo de suas estações em direção à Central, carregados com muita mão-de-obra para mais um dia de palmatória. Parece estranho? Eu sei, mas não desista ainda. Esse trem partiria já lotado, e os passageiros se sentiriam de formas diferentes quanto isso. Então pensemos neles.
Um pequeno grupo estaria satisfeito. Seus representantes encontravam-se sentados em bancos com encosto, espaço para apoiar o braço e vista privilegiada para a janela. Estavam orgulhosos, já que chegaram mais cedo e conseguiram garantir os melhores lugares. “Esforçaram-se” para aquilo. Sentiam-se tão merecedores de seus assentos, que não o cederiam nem por um segundo para ninguém. É claro que alguns pediram para que seu lugar fosse guardado por amigos, mas isso não muda nada em suas cabeças. O máximo de incômodo que tinham, era o calor insuportável, mas atribuíam a culpa aos montes de infelizes amassados nos corredores, ou à empresa que não instalou ar condicionado nos vagões.
Porém, não eram os únicos a estar sentados. Um outro grupo estava bem ao lado, em cadeiras não tão confortáveis, mas boas o bastante para proporcionar uma viagem tranqüila. O mais importante para eles, era levantar. Não para ceder o lugar, mais para ocupar o lugar dos primeiros, já que estavam mais próximos das melhores cadeiras do que qualquer um. Tinham tanta vaidade quanto os anteriores, e a única coisa que desejavam era que eles saíssem. Almejavam tanto aquela posição, que não permitiriam que ninguém, se não eles, a ocupasse.
Havia ainda mais um tipo de cadeira. Não tinha encosto, vista para janela, e ficava praticamente sufocada dentro da multidão. Os ocupantes não podiam esticar as pernas, nem cruzá-las. No máximo, eram capazes de abaixar a cabeça e dormir. O que pensavam era bem simples: “pelo menos estou sentado”. Mas, estavam tão próximos dos “desalentados” que não podiam deixar de ter compaixão e pedir para que deixassem carregar as bolsas. Faziam isso com muito mais freqüência que os demais.
A esmagadora maioria se esmagava nos corredores. Eram tantos, que não tinham consciência da quantidade que os acompanhava. O calor ali era mais intenso. O balançar do trem era mais intenso. A pressa de desembarcar era mais intensa. A posição desconfortável obrigava que se encostassem. Os encontros mais pareciam batalhas, com cotoveladas, joelhadas e pisões. Tudo por um mínimo espaço para se pendurar ou colocar os pés. Qualquer freiada, abrupta ou não, formava verdadeiras ondas de inércia, que massacravam todos, um a um. Apesar de olharem com certa inveja para quem dormia sentado, odiavam uns aos outros, pois acreditavam que eram os responsáveis pela situação. Eram desunidos. Não lembravam, porém, que a concessionária deveria garantir lugar para todos, já que todos os dias tomavam o mesmo trem.
Muitas idéias com certeza surgiriam para solucionar o problema. Um rodízio de lugares, provavelmente, seria a primeira delas. Contudo, aqueles que estavam sentados, principalmente os dos melhores lugares, criariam argumentos “plausíveis” para demonstrar que dividir não é a melhor medida. Se algum sistema de revezamento começasse, seriam capazes até de sabotá-lo. Convenceriam os outros de que aquilo era justo, e que poderiam sentar se chegassem mais cedo. Mentira, não havia lugar para todos. Entre os que estavam de pé, os mais radicais planejariam destruir o trem, para que todos embarcassem em outro, começassem do zero. Mais uma vez, quem tivesse o mínimo de conforto jamais concordaria, visto que o risco de ficar de pé, caso mudassem o trem, era bem maior. E mesmo quem não tinha lugar, quando conseguisse sentar, não aceitaria mudança, pois já estava acomodado.
Alguns seriam tomados pela revolta e até agrediriam os demais. Contaminados pelo mesmo sentimento, os passageiros iriam puni-lo de formas desumanas, coisas que não fariam se não estivessem imersos na selvageria. Alguns mais “visionários” aprenderiam a ganhar dinheiro em meio à crise. Venderiam lugares, alugariam por um tempo, e formas cada vez mais sofisticadas de se aproveitar do sofrimento alheio apareceriam. Para disfarçar o problema, a empresa até poderia oferecer lugares em bancos de plástico, já que mais conforto era urgente. Mas talvez o faria para ter maior aprovação.
Como resolver todo o impasse? A forma só poderia ser encontrada quando cada um dos grupos decidisse que todos deveriam ter lugares. Iguais ou não, que pelo menos permitissem que um trabalhador chegasse descansado e com dignidade em seu destino. Bom, você está se perguntado o que esse texto quer dizer? Se está, talvez esteja interessado demais em “conseguir sentar”, ou acordar cedo para defender seu lugar. Se entendeu e não concorda, já deve estar sentado. Mas se está de acordo, que tal convencer uns amigos a construir um novo trem? A estação está cheia.
3 comentários:
Ótimo texto. Ótima metáfora.
Parabéns, Vinicius.
Obs: se eu fosse olheiro, te contrataria na mesma hora.
Ae, bonitao, já está devidamente linkado
Também vou criar um link do seu blog no meu.
Seus textos são mt bons, cara..
Tô com saudades! Até dia 28, beijos
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