segunda-feira, 24 de março de 2008

Alcatéia

Livros enfileirados acumulam poeira e decepção nas estantes. As páginas guardam palavras cujo efeito foi corroído pelas décadas, pelos dólares e pelas dúvidas. Barbas, mobilizações, hinos, bandeiras, todos ficaram nas fotos, e elas já não mais ocupam a mesa de centro. As gavetas conservam o que as mentes abdicaram. Os ídolos estão decrépitos, perderam-se no fracasso dos líderes. A juventude está velha. Será que idéias morrem?

Marcas de um futuro que poderia ter sido ainda preenchem discursos, mas esvaem-se na prática. Tudo o que era sólido se desmanchou no ar, restaram apenas vestígios. A evanescente ideologia de toda uma geração construiu uma retórica hoje vazia, que oscila entre o desequilíbrio, o populismo e o ridículo. O que houve com a esquerda? Os sonhos de uma sociedade mais justa e esclarecida foram comprados pelo vil metal. Mas nem todos partilhamos da ceia do lucro, fomos alienados pela mais-valia do voto. Desiludidos, mantemos os mesmos hábitos, as mesmas críticas a cada detalhe, a cada mensagem subliminar e explícita. Apocalípticos, amargamos na barbárie a vingança contra o capitalismo. O que se perdeu foi mais que a razão, foi a crença política, a credibilidade de nossos próprios ideais. Acreditar virou constrangimento.

A culpa não é do Lula. O socialismo deixou de ser um fenômeno e passou a ser um atraso em todo lugar. Não há espaço para a igualdade no mundo da eficiência, salve-se quem puder. No Brasil não poderia ser diferente, consumimos o que há de “melhor” na cultura ocidental. Os quase nova-iorquinos empresários de São Paulo não podem tolerar marxistas em sua política. A competitividade requer um governo capitalizado, com objetivos claros e metas pré-estabelecidas, reduzidas ao PIB. O Brasil tem que ser global.

Idéias tão pouco rentáveis quanto a coletividade não podem prosperar. A verdade é que faltou competência, organização, tecnologia e dinamismo na luta comunista. A revolução perdeu por não ser um bom negócio, por não ter uma equipe com know-how e MBAs suficientes. Eles venceram, não há mais lado de fora no capitalismo. Toda luta da Comuna de Paris, os sacrifício contra o facismo, as Revoluções Russa, Chinesa e Cubana, o movimento estudantil de 68. Já se foram 40 anos e ainda estamos aqui. Há saída?

Temos que aceitar que não é a que gostaríamos, mas o sistema pode ser mais justo e humano. Não adianta falar de quebra-quebra, inversão de pirâmide e fim do Estado. Não cabe mais defender o impalpável na construção de uma sociedade melhor. Contentar-se com o reformismo não é fácil, mas é preciso. Já que é impossível destruir os alicerces, dividamos melhor os cômodos. Adaptar-se não é se entregar nem trair, é não abandonar o objetivo primordial, abrindo mão dos pormenores. Insistir em uma mesma estratégia em um quadro mutável e instável é apegar-se, com toda a força, à derrota.

É claro que a adaptação necessária não passa, nem de longe, pela total corrupção da ideologia de esquerda, que culminou nas alianças infelizes do governo do PT. O Partido dos Trabalhadores defende os Senhores da Cana e os Bancos, e, por mais que investigue, despeja falcatruas na mídia em velocidade pós-moderna. Banalizou-se o escândalo. O assistencialismo é vital como forma de socorro, mas hoje, e sempre, é usado como cabresto na indústria da gratidão e da miséria. Não é mais uma questão de usar as armas da direita contra ela, o PT se tornou a direita, deitou-se com o PMDB, e deixou sem ação o PSDB e o PFL, e sem saber o que combatem ao certo – sim, insisto em chamar de PFL, e chamaria até de ARENA ou UDN se não prejudicasse o entendimento –. Não é dessa mudança de hábito que falo.

Se não podemos suprimir a competição, que pelo menos tenhamos igualdade de oportunidades. Escolas públicas de qualidade, atendimento médico digno para quem não pode pagar e infra-estrutura para todos. Não o mínimo, esqueça-o, pense no humano. Ainda que isso não garanta uma vida justa, seria dar uma chance para que se conquiste com o capitalismo o que foi inviável de outras formas. Limitar-se ao egoísmo e consumir os dias resmungando um passado de promessas não levará a lugar algum. Se o homem é o lobo do homem, formemos uma alcatéia.

“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Ainda que eu não tenha feito nada.

3 comentários:

Fillipe disse...

1º - Nao há nenhum poder no mundo capaz de deter o avanço do Capitalismo. Nem sei se seria benéfico à humanidade a volta do Socialismo e o decorrente atraso tecnológico q esse sistema traz (pela falta de concorrencia entre as empresas), mas tenho ctz q 90% da população nao qr esse atraso

2º - A esqrda chiliquenta de hj em dia (Evo, Chavez...) só atrapalha a imagem dessa vertente política.

3º - Sei q nao está no texto mas só um comentário: a Social democracia (uma esqrda maquiada) nao daria certo num país altamente populoso, nao teria como o governo bancar tantos gastos.

4º - No Brasil, o radicalismo da esqrda assusta muita gente. Isso acaba afugentando os votos.

5º - Vc escreveu um texto elogiando a esqrda?!?! Qm viu, qm ve =p

Lucas Calil disse...

Filma eu, Galvão!

Leonardo Nascimento da SIlva disse...

sua capacidade me constrange.
de verdade.

E só mais uma coisa: há esperança, Vinícius.
Eu creio.
Ainda veremos dias melhores, sei disso.