segunda-feira, 3 de março de 2008

A Conquista do Oeste

Há 443 anos, Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. 108 anos depois, Barcelos Domingos ergueu a Igreja do Desterro, marco da criação de Campo Grande. Hoje, um século de idade é pouco para o abismo existente entre as “duas cidades”, que insistem em ocupar o mesmo município. A mais nova prova da segregação entre as porções ocidental e oriental do território carioca foi o aniversário da capital, que não rendeu festas no bairro.

Com população de cidade de médio porte, Campo Grande ocupa uma área no município que equivale proporcionalmente a dos Estados de São Paulo e Minas Gerais juntos em relação ao Brasil. Mas não é novidade pra ninguém que os investimentos direcionados à região não correspondem a nenhum tipo de proporção. Faz-se uma obrinha aqui e outra ali apenas para que todo o bairro não desabe. Nem os braços abertos do cristo são para todos.

É absolutamente comum ouvir habitantes de áreas mais “centrais” do Rio questionarem se Campo Grande faz parte da cidade. Espantoso é que, uma vez ou outra, também se ouve o contrário, moradores desavisados que se surpreendem em descobrir que são cariocas. Talvez a distância os confunda, já que a viagem de trem que fazem até a Central do Brasil perde apenas em um quilômetro para a travessia do Canal da Mancha entre as cidades de Dover e Calais, via Eurotúnel.

Os 53km que separam a Arquidiocese de São Sebastião da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro, no Centro do bairro, são suficientes para dar 15 voltas em torno de todo o território do Vaticano. Uma procissão impensável. “Comercialmente” falando, o famigerado Calçadão dista em linha reta da Cinelândia quase o dobro do comprimento da Ilha de Manhattan. O bastante para curar qualquer compulsão consumista.

Contrariando todas as expectativas geográficas, Campo Grande vive hoje um momento áureo de crescimento econômico. O bairro conta com um dos mais fortes centros comerciais do Estado. Abriga a maior fábrica de bebidas da América Latina, construída pela multinacional Ambev. Beneficia-se com a expansão da Michelin, que praticamente duplicou a área da imensa fábrica que possui em Guaratiba e pela formação do pólo industrial do Porto de Sepetiba. A nova área industrial captou investimentos milionários para a Zona Oeste nos últimos anos, rendendo frutos como a mais nova vizinha da região, a Companhia Siderúrgica do Atlântico.

Quanto mais saudável se torna um endereço, mais as pessoas querem se aproximar dele. O desenvolvimento financeiro atrai hoje a especulação imobiliária. A multiplicação de condomínios transbordou das áreas tradicionais da “Zona Sul” do bairro e hoje se espalha por lugares improváveis, como a Avenida Brasil. De acordo com dados da Associação Dirigente de Empresas do Mercado Imobiliário, Campo Grande foi responsável por 6% de todos os empreendimentos habitacionais de 2007, em uma cidade onde Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes perdem cada vez mais espaço.

Os motivos da procura são diversos. A segurança ainda é maior do que na Zona Norte, o trânsito é menor do que no centro, os preços são mais acessíveis do que na Zona Sul e na Barra, e a infra-estrutura é superior a dos bairros vizinhos.

O excesso de empolgação alimenta os antigos desejos de independência. Contudo, ressalvas devem ser feitas. A falta de identificação com a distante política carioca criou lideranças poderosas na região, que atingem votações expressivas em eleições para os Legislativos Municipal e Estadual. Algumas delas já lançam idéias de emancipação, que poderiam inserir Campo Grande no mapa. Separar-se não é a solução. Estabelecer um novo município só serviria para incluir a população na lista de cidades-dormitório da Baixada.

Conforme o desenvolvimento da cidade segue seu fluxo histórico em direção ao Oeste, a necessidade de planejamento e organização se mostra vital. Levar a “civilização” aos pontos mais distantes da cidade é uma promessa antiga, feita pelos portugueses que estabeleceram na região uma sesmaria. Muitos problemas precisam ser vencidos até a Zona Oeste seja realmente “conquistada”.

Os tempos de Faroeste estão ficando para trás, apesar do bang-bang estar cada vez mais próximo. As pacatas plantações de laranja que antes abrigavam cowboys se transformaram em terras onde a lei carece de xerifes. Assim como nos filmes do “velho oeste”, os primeiros passos vieram com as ferrovias, porém o tempo que passou desde então foi o bastante para degradar áreas que agora precisam ser revitalizadas e incorporadas à cidade. A integração entre Campo Grande e o Rio deve ser feita antes que o município fique "pequeno demais para os dois".



2 comentários:

Fillipe disse...

Nao seja ingênuo caro Vinicius. Campo Grande estar aonde estar e do jeito q está é perfeito para os poloticos cariocas. Politicamente, os "xerifes" se aproveitam da população carente em época de eleição e aqui conseguem votos. Estar na Zona Oeste é uma desculpa perfeita para desviarem verba para a Barra da Tijuca e regiao, explicando: Grande parte da verba destinada, é destinada para a ZONA OESTE, nao para CG. Esse dinheiro acaba no Recreio, Vargem Pequena, Jacarepaguá, Barra e esqcem Bangu, SC,CG... E nao venha com essa de CG ser auto sustentável como cidade, é um erro pensar isso. As empresas q aqui estao sediadas, nao tem seus escritorios centrais aqui e sim no Centro do Rio. Sendo assim, a capital continuaria levando toda a grana enqto nossa mao de obra mais barata continuaria sendo explorada.


Ruim com eles, pior sem eles...

Vinícius Lisbôa disse...

Meu Deus! Eu até revi o texto, porque nem acreditei no quanto a sua interpretação foi equivocada. Primeiro, não é ingenuidade falar sobre crescimento em CG, ele é evidente e comprovado por dados e matérias que têm sido publicados no Extra, O Globo e JB. O fato de não haver proporcionalidade na divisão dos recursos foi abordado pelo texto, e a vantagem da política nisso também. A posição do bairro é confortável para os líderes da região, mas não se engane, uma Prefeitura vale muito mais que um cargo no legislativo. Por último, quanto a autosuficiência, não sei onde leu que eu a defendi, pois eu apresentei ressalvas ao desejo de "grupos isoldados" de emancipar o bairro. E se você for analisar a fundo, as sedes dessas empresas também não estão no Brasil, portanto o montante vai pra fora, e quando estão, caso da AMBEV, ficam em SP. Mesmo assim, valeu a participação