sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mundo Obsceno

Ele usava um boné propositalmente torto. Sentava ao fundo do ônibus com seu corpo esquio e sem camisa. Falava alto, mexendo o piercing cor de abóbora que saltava abaixo do lábio inferior. Nas mãos, o visor reluzente da câmera tornava o celular chamativo e indiciava seu preço. Caro. Foi só o que pensei.

Sorria muito, isso é verdade, mas eu não achava graça. Não das letras que a voz desafinava repetia audivelmente para metade daquele coletivo. Ele e o amigo, um pouco mais bem vestido e sem piercing, riam e comentavam os versos obscenos que o celular emitia com deselegância. É a Música Popular Brasileira dos nossos tempos, eu lamentava. Maldita inclusão digital. Cheguei a praguejar na irritação, mas me corrigi, juro.

É muita falta de educação. Reclamou com razão a senhora descabelada, que sentava no banco ao qual eu estava de frente, em pé. Foi aí que me bateu o estalo. Muita, muita mesmo. Disse para confortá-la e para refletir.

É uma falta de educação maior do que a invasão do espaço alheio. É uma falta de educação cultural e coletiva, social e excludente. Pensei ainda sem muita piedade: como podia ele ter o que chamamos de educação? Creio que o “bom comportamento” não é concebido na fecundação. Ele é adquirido dos pais, da família, do meio onde se vive, dos amigos, da escola, da religião e de outras instâncias de transmissão de valores sociais.

Olhei para aquele rapaz que deveria ser ainda mais jovem que eu. Permita-me ser preconceituoso. E se seus pais o tiveram na idade que ele tinha agora? – O que não é incomum – Como poderia ter educação se seus pais não a tiveram, como não tiveram escola, bom emprego e base familiar? Como poderia ter outro comportamento se seus amigos se portam desse jeito, com nuances a mais ou a menos? Como poderia saber algo além de seu universo, se, na escola, não teve professores que o respeitaram e não foram respeitados? Como poderia ser diferente se suas referências, seus ídolos e artistas não passam de outras vítimas da deseducação generalizada? Como poderia mudar se eu e todos os que resmungavam mentalmente sentíamos repulsa diante de sua pequinês de espírito, mas com uma menor ainda.

Ele era o que foi produzido para ser. O que permitiram que fosse. O que permitimos diariamente, não apenas por omissão, mas por não saber como quebrar esta corrente de valores torcidos e incômodos. Continuei irritado com a música, com o rapaz e com o ônibus que não tinha lugar, mas fiquei pensando em um adjetivo para este mundo de tantas coisas a reclamar.

Obsceno, conclui. Mais que a letra, bem mais.

Um comentário:

Fillipe disse...

Eu leio os seus textos e acho a maioria excelente. Mas esse, apresa de bem escrito, foi absurdamente mal argumentado e cheio de senso comum preconceituoso.

Alias, essa visao retrograda q isso é cultura de gente sem acesso a educação é inacreditavel q alguem do seu nivel cultural tenha hj em dia.